Enfermeira teria realizado cirurgia plástica clandestina no Hospital Municipal de Ji-Paraná; cirurgia não é feita pelo SUS
Matéria: Leone Oliveira
site: Fronteiras
Era dia 12 de agosto, num sábado pela manhã, quando uma técnica de enfermagem que trabalha no Hospital Municipal (HM) de Ji-Paraná, se preparava junto a seu médico particular, para fazer uma cirurgia plástica clandestina e melhorar a estética de seus seios que eram “assimétricos” (esquerdo maior que o direito). A cirurgia teria ocorrido nas dependências do próprio Hospital Municipal.
Às 08h da manhã, a paciente, técnica em enfermagem dos quadros do município, e seu médico particular Raimundo Maia, entraram no centro cirúrgico e deram início ao procedimento estético. Ao todo foram 8 (oito) horas de cirurgia, terminando às 16h.
Toda a “força tarefa” que ocupou a sala principal de urgência e emergência do centro cirúrgico do Hospital Municipal (HM) por horas, poderia ter levado a vida de algum paciente que chegasse ao HM gravemente ferido e precisasse de ser operado às pressas. O centro cirúrgico estaria ocupado para atender aos fins estéticos de uma funcionária pública dos quadros municipais.
De acordo com os relatos de um médico clínico, o cirurgião de plantão de urgência, no dia do ocorrido, não tinha conhecimento da cirurgia, e acabou descobrindo por acaso todo o enredo criminoso e ficado furioso.
Em seu Instagram, no mesmo dia da cirurgia, o médico particular comemorou o sucesso do procedimento. “Moldes ao desejo do paciente, feliz com seu resultado e muito bem orientada em reabilitação”, escreveu. Partes da cirurgia foi gravada e publicada em seu Instagram, mostrando o “antes e depois”, como uma forma de expor seu trabalho.
Uma semana depois do primeiro vídeo publicado, ontem, sábado (19), o médico publicou outro vídeo, no qual escreveu: “caso bem interessante, paciente com ritmo ativo de atividades e treinos, apresentando mamas assimétricas (volumes e larguras diferentes), avaliamos seu caso e definimos o melhor planejamento”.
Desta vez, o vídeo mostra seu rosto e sua touca cirúrgica, na qual está escrito seu nome, Cirurgião Plástico”. Outra detalhe não passa despercebido: na roupa também estão estampadas as siglas “HM”, de “Hospital Municipal”.
Percebe-se claramente que, aos 19 segundos, estão estampadas na roupa do médico, as siglas “HM”, de “Hospital Municipal”. A roupa utilizada pelo médico é chamada de “capote”, e é utilizada pelos médicos cirurgiões em todo procedimento cirúrgico. O vídeo teria sido gravado por algum integrante que auxiliava o médico.
O tal médico se apresenta no Instagram como médico cirurgião plástico e que trabalha na empresa Particular, sediada em Porto Velho (RO) e em atividade desde 1996. Conforme consulta feita pelo Fronteira, o médico não faz parte do quadro societário.
A cirurgia teria sido completamente clandestina, e conforme relatos dos próprios funcionários do Centro Cirúrgico, a mesma foi omitida do livro de registros do HM. No Centro Cirúrgico há um livro no qual deve registrar as cirurgias que foram feitas. A cirurgia da técnica em enfermagem, contudo, não foi registrada no livro.
O pós-operatório teria sido ainda mais dramático. O médico privado da técnica queria que ela se recuperasse na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), contudo, por pressão, a técnica em enfermagem teve que se recuperar da cirurgia em uma sala improvisada na pediatria. Tudo era obscuro e às margens da lei.
De acordo com fontes, todo o procedimento operatório se deu com a conivência do Diretor-geral do Hospital Municipal, Diogo de Souza Oliveira, que sabia de toda a trama. O Fronteira tentou contato com Diogo, mas não obteve resposta.
O Fronteira também entrou em contato com o Secretário de Saúde, Rafael Papa, o qual alegou já estar ciente da situação e disse ter descartado qualquer cobrança para a utilização do espaço. “Já descartei que houve qualquer cobrança para a utilização do espaço”, disse.
“Mas ainda existe a utilização do ambiente, que deve ser melhor esclarecida. Alegaram que o procedimento seria feito pelo SUS, em Porto Velho, e existiu um cancelamento”, afirmou.
“Mas se existiu ilegalidades, meu amigo, serão levadas com rigor”, finalizou o Secretário.
Cirurgia não é feita pelo SUS
De acordo com um médico consultado pelo Fronteira, a cirurgia plástica feita pela técnica em enfermagem não é realizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). E mesmo que fosse, a técnica em enfermagem teria que entrar na fila do SUS e esperar sua vez para fazer a cirurgia com um médico público (e não particular).
De acordo com um artigo publicado no blog SYN SAÚDE, em julho de 2022, quase 1 (um) milhão de pessoas aguardam por uma cirurgia no SUS. O tempo de espera pode variar de meses até anos, a depender do procedimento e do estado de saúde do paciente.
Entretanto, como dito, a cirurgia feita pela técnica não é realizada pelo SUS. Mesmo assim, a funcionária, juntamente com seu médico particular, teria se apoderado do ambiente e dos equipamentos públicos para realizá-la, algo extremamente grave e que pode configurar crime.